No dia em que fui distinguido com a Medalha dos 50 Anos de Independência Nacional, na categoria de Paz e Desenvolvimento, não hesitei em aceitar a honra. Considerei-a um reconhecimento justo pelo trabalho que tenho vindo a desenvolver, apesar das incompreensões de certos sectores próximos do poder.
Fiquei agradavelmente surpreendido ao constatar que o texto que acompanhava a condecoração, assinado pelo Presidente da República, João Manuel Lourenço, refletia com precisão essa ideia. Antes mesmo de o ler, percebi que era esse o ponto que havia enfatizado nas entrevistas concedidas aos meios de comunicação presentes no evento.
Durante a cerimónia, ao cumprimentar o Presidente, os locutores de uma das televisões destacaram que se tratava de reconhecer a contribuição de alguém que, apesar de uma linha de pensamento distinta, tem desempenhado um papel valioso na construção do país independente ao longo de 50 anos.

Contudo, nem tudo foi positivo. Ao chegar ao Hotel Intercontinental, fui calorosamente saudado por muitos, incluindo antigos companheiros e amigos. No entanto, ao dirigir um elogio a uma antiga colega do MPLA, referindo que se mantinha bela e jovem, recebi uma resposta ríspida, indicando que isso se devia ao facto de nunca ter falado mal de ninguém. Preferi sorrir e evitar confrontos, mantendo a cordialidade.
Mais preocupante foi, ao chegar a casa, perceber que as minhas entrevistas haviam sido editadas para se alinharem com as de membros da UNITA que aceitaram a medalha, apesar de orientações partidárias em contrário. Nas minhas declarações, sublinhei que este deveria ser um momento de consolidação da reconciliação, livre de atritos motivados por jogos de poder que apenas atrasam o nosso desenvolvimento.
É lamentável que, mesmo em ocasiões de grande simbolismo, a presença de meios de comunicação “bem selecionados” e “disciplinados” impeça uma reflexão mais profunda sobre o verdadeiro significado desses actos. Só quando conseguirmos transformar simbolismos em realidades é que poderemos avançar como nação.
